É comum ouvirmos falar que o direito não é uma ciência estática, encontrando-se em constante transformação. De fato, as normas que regem à convivência em sociedade são reflexos das relações cotidianas.
Por meio do direito, é possível realizar uma radical mudança nas estruturas da sociedade e de políticas de Estado. Diante de tantos exemplos, que marcam a história, o direito pode e deve protagonizar grandes revoluções, capazes de produzir um impacto estrutural na sociedade brasileira, conforme enfatiza Calixto Salomão Filho.
Assim, em 07 de agosto de 2006, foi publicada a Lei n°. 11.340, que cria mecanismos para coibir e reprimir à violência doméstica e familiar contra a mulher. A Referida norma jurídica foi denominada de Lei Maria da Penha, uma vez que marca a luta de Maria da Penha Maia Fernandes e de tantas outras brasileiras que sofreram violência doméstica.
É certo que, não obstante alguns objetivos ainda precisem de ser alcançados, existem diversos avanços que sinalizam para uma comemoração, após 14 anos deste importante marco legislativo, seja com a evolução da própria lei ou de leis periféricas, a exemplo, da Lei do Assédio e da Lei do Feminicídio; seja pela quebra de diversas barreiras, que possibilitou a ampliação e conquista de muitos espaços pelas mulheres, rompendo uma histórica cultura machista.
Importante rememorar que, segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS), os Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs), cujas vítimas eram do sexo feminino, recuaram 18,2% em 2019 na comparação com 2018.
De toda forma, deve-se registrar que, o isolamento social, causado pela pandemia do coronavírus, tem causado efeitos no número de queixas da violência contra as mulheres em Pernambuco. De acordo com constatações de especialistas e Defensores Públicos, a queda se dá porque as mulheres tem ficado mais em casa com os agressores e, com isso, há uma maior dificuldade em prestar o registro das ocorrências, que exige o comparecimento pessoal para realização da perícia nos casos de agressão, dentre outros motivos.
Acrescente-se, ainda, que, numa sociedade culturalmente patriarcal, o advento da Lei Maria da Penha iniciou uma transformação social e de políticas públicas, permitindo que grande parte das mulheres se reconheça como cidadã de direitos.
Para a concretização das mudanças, nesse cenário, exige -se a promoção de ações conjuntas, integradas e interdisciplinares por diversos segmentos sociais, no sentido de oferecer às mulheres políticas públicas que permitam romper com o ciclo da violência, quebrando o silêncio.
Neste contexto, é possível mencionar a existência, atualmente, de inúmeros serviços especializados – 11 Delegacias especializadas, 10; Unidades Jurisdicionais contra a Violência Doméstica; abrigos e suportes psicológico, dentre outros.
Desta forma, a mulher passou a contar com mecanismos que permitem acionar o serviço de maneira mais segura e com tratamento humanizado, inclusive com uma rede de apoio que nos faz esquecer, quem sabe expurgar, o ditado “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.
Nessa perspectiva, a Defensoria Pública não poderia ficar de fora dessa rede de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Por tal razão, a Lei Complementar n° 80/1994, que prescreve normas gerais para organização da Defensoria Pública nos Estados, estabelece, em seu Art. 4º, inciso III, que são funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras, promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico.
Desse modo, a Defensoria Pública do Estado de Pernambuco, na atual gestão, tem como meta prioritária o investimento na modernização e profissionalização das ações institucionais e implantação de projetos, que tem como escopo principal a educação em direitos, visando o empoderamento das mulheres tanto no conhecimento dos seus direitos, como na forma de exercê-los.
Assim, a DPPE vem criando núcleos especializados em diversas áreas, a exemplo, do núcleo Especializado na Defesa da Mulher em Situação de Violência, contando com um canal de acesso direto e permitindo uma interação com toda a rede de atendimento de proteção à mulher, assim como vem desenvolvendo projetos e programas que permitem uma conscientização da população sobre os seus direitos e de como reivindicá-los.
Logo, é possível afirmar que, por meio do direito, é viável realizar uma radical mudança nas estruturas da sociedade e de políticas de Estado.
É inegável que esta luta deve ser uma constante, a fim de romper com a vetusta estrutura social de sobreposição de gênero, mas não podemos deixar de negar que evoluímos e avançamos, por meio do direito, tanto na estrutura da sociedade, como em políticas públicas especifica, cabendo a cada instituição pública e privada e demais setores da sociedade contribuírem para essa transformação e darem um impulso aos esforços para criar mecanismos eficazes de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica, efetivando nossa missão de lutar por uma sociedade mais igual, justa e solidária.
Henrique Seixas
SubDefensor Geral do Estado