CLAUDEMIR GOMES
Apesar de a pandemia tornar os dias iguais, a segunda-feira – 26/07/2020 – foi um ponto fora da curva, para nós brasileiros, que ficamos em estado de graça com a conquista da Medalha de Prata, por uma menina de 13 anos, Rayssa Leal, na prova de skate feminino, nas Olimpíadas de Tóquio.
Um sol causticante no início da tarde, no País do Sol Nascente, contrastava com a fria madrugada brasileira. O relógio mostrava que a primeira hora do dia passou despercebida. Com os olhos vidrados na televisão, fiquei sem saber o que era mais forte em mim: a torcida pelo sucesso daquela menina de sorriso fácil, que trata o skate como um esporte lúdico, ou o prazer de ver suas concorrentes serem derrotadas pelos imóveis obstáculos, e caírem junto com seus sonhos.
Nunca o bem e o mal haviam travado luta tão renhida nos meus pensamentos.
Rayssa Leal é chamada de “A Fadinha”. Pois bem, a cada acerto seu era como se uma varinha mágica transportasse milhões de brasileiros para um mundo de sonhos. Não estou me referindo aos 8,5 milhões de skatistas existentes no nosso País. Falo da população geral: 200 milhões de pessoas. Isso porque, quem não dormia naquele momento, estava como eu, com os olhos pregados na televisão, sentindo uma emoção inimaginável durante uma travessia pandêmica.
O bem e mal se digladiavam cada vez mais nos meus pensamentos. Na última passagem pelos obstáculos, a brasileirinha disputava as medalhas com duas japonesas. Nossa Fadinha, livre, leve e solta, contrastava com as duas juvenis nipônicas, exemplos de disciplina e sisudez. A conquista de uma medalha já era realidade para Rayssa. Faltava definir o minério: prata ou bronze. A brasileira cometeu um erro.
Nada a reclamar!
Falei pra meus botões.
Afinal, a menina competiu como gente grande, com garra de campeã.
Quando a última japonesa pegou o skate e caminhou para sua derradeira largada, um terrível obsessor se apossou dos meus pensamentos. Confesso que nunca me imaginei tão feliz assistindo a queda de uma atleta. Aconteceu.
Rayssa distribuía seu sorriso para deixar a tarde de Tóquio menos sisuda, numa Olimpíada atípica, onde os atletas não dividem o sublime momento do êxtase com os alegres e emocionados torcedores.
Dormi nas asas do sonho de Rayssa Leal, e acordei com um País diferente. Um mundo criado pela Fadinha.
O skate chegou ao Brasil nos anos 60, do século passado. Veio junto com o jeans, com o som dos Beatles, marcas registradas da juventude. Dizem que a juventude foi criada naquela década. E o mundo virou de ponta cabeça. E nunca mais foi como antes. Aquele brinquedo (skate),cujos primeiros modelos eram feitos com rolamentos, e de forma bem artesanal, conquistou as ruas como produto da nova ordem.
Skate é rua. É liberdade, coragem e desafio. É superação em busca de igualdade. É imposição, conquista e afirmação. É legado dos anos 60. Mágico como a Fadinha, cuja medalha de prata reluziu mais que as toneladas de ouro retiradas de Serra Pelada.
O dia anoiteceu em Tóquio, e amanheceu no Brasil, que do Oiapoque ao Chuí fez ecoar o novo nome do amor: RAYSSA LEAL.
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