Por Luiz Antonio Costa de Santana
A natural tendência de aceitarmos apenas informações que confirmem nossas crenças está tornando o mundo insuportável. O sistema de crenças acaba por criar uma “verdade” que impõe, com ares de certeza cientifica, opiniões pessoais, ainda que tais crenças sejam fruto, por exemplo, naquele áudio do whatsapp, que “viralizada” sem ao menos ser possível identificar o autor e suas credenciais para propagar soluções para tudo.
O filosofo Joel Feinberg afirma que este aspecto equivale a um direito a acreditar no que quiser, ainda que fundado em crença falsa (Feinberg, Joel. Psychological Egoism. In Reason & Responsibility: Readings in Some Basic Problems of Philosophy, edited by Joel Feinberg and Russ Shafer-Landau).
Por isso é necessário trazer à baila o que afirmou o professor Lênio Streck, em artigo publicado no sítio Consultor Jurídico, em 22 de agosto de 2014 (encurtador.com.br/bloUV):
(…) O direito havia fracassado com as duas grandes guerras: genocídios e todos os tipos de tragédias nas e pelas quais o direito nada pode fazer ou resolver. Eis que, transformadas as constituições em norma, o direito assume uma faceta de transformação social. O ideal de vida boa é transportado para “dentro” dos textos. O velho positivismo, que havia cindido direito e moral, agora é (ou deveria ter sido) suplantado pela tese da cooriginariedade entre direito e moral (de novo, uma observação necessária: a discussão norte-americana se dá quase que paralelamente a isso; por lá, o positivismo jurídico ainda ocupa o mainstream, sem essa ênfase toda no anti [ou pós] positivismo).
Isto quer dizer, no mínimo, que a moral não pode ser corretiva. Moral não corrige o direito. Isto também quer dizer que uma decisão jurídica não é uma “questão de moral ou de filosofia moral”. A partir disso tudo, venho sustentando que os juízes tem responsabilidade política. Eles cumprem um papel. Para entender essa questão, basta ter em mente a alegoria ou metáfora dos dois corpos do rei, que aconselho sempre a leitura. E assim por diante (já escrevi tanto sobre isso que hoje sofro de LEER – Lesão por Esforço Epistêmico Repetitivo). (negritamos).
Moral pode corrigir o direito, tampouco pode ser a régua com a qual avaliamos os outros.
Segue.
Nada melhor que o mito grego Procusto para mostramos como o mundo maltada os argumentos metodologicamente válidos.
Procusto era um criminoso cujo modus operandi se dava com o fornecimento de abrigo aos viajantes; estes, ao deitarem na cama de ferro da casa de Procusto, tinham os pés serrados ou distendidos, a depender de sua estatura (BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. v. III. Petrópolis: Vozes, 1987, p.156.).
A ciência, hoje, é o viajante. Procusto, a seu turno, é o manipulador da informação.
Segue.
Tal aspecto hodierno sobre a veracidade das informações, com efeito, é um inequívoco exemplo de dissonância cognitiva, na forma defendida pela psicologia cognitiva (KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Trad. Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 22.). É que a ilusão de certeza que emerge da multiplicidade de possibilidades deixa de considerar que durante o processo de captação e conversão do conhecimento incidem diversas influências, sobretudo as de natureza moral, que distorcem a capacidade de decidir racionalmente.
Tudo isso implica, querendo ou não, para o bem e para mal, no desenvolvimento de uma intuição, que vai se especializando ao longo do tempo, e possibilita reconhecimento, quanto mais elementos familiares estiverem presentes em uma situação mais rápido a resposta virá e provavelmente será a correta. É uma lei universal que uma mente cansada tende a seguir o caminho do menor esforço (MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 85).
É o cansaço nos leva a deixar de analisar a completude dos problemas os quais nos deparamos (TALEB, Nassim Nicholas. A Logica do Cisne Negro: o impacto do altamente improvável. Trad. Marcelo Schild. São Paulo: Best Seller, 2012, p. 27).
O perigo está, em arremate, na criação de opiniões baseadas em crenças.
Post scritum: Teseu pune exemplarmente Procusto. Há sempre uma luz no fim do túnel para a ciência…
Luiz Antonio Costa de Santana é advogado, professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf).
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