Artigo de Daniella Brito
Em um dia 12 de abril, mas em 1964, Dom Helder Camarafoi empossado como Arcebispo de Olinda e Recife. Em seu conhecido discurso de posse, na Pracinha do Diario, suas primeiras palavras foram de acolhida, combate às injustiças, defesa dos mais vulneráveis e de promoção do diálogo. Foram, acima de tudo, sinais de esperança, sentimento que insisto em alimentar em dias tão difíceis e, particularmente, nesta Páscoa, tão diferente. Palavras como ressurreição, vida nova, sempre associadas ao sentido da Páscoa invadem minhas redes sociais e o meu WhatsApp desde a última sexta. Assim como textos sobre o aumento de casos e de mortos pela Covid-19.
No calvário coletivo que vivemos há semanas, leio algumas mensagens e revejo o discurso de Dom Helder. Nesse encontro, o que chama minha atenção é o que pode caracterizar a “vida nova” após essa Páscoa do fim do mundo. Principalmente diante das consequências sociais e econômicas para milhares, sobretudo os que nunca sãovistos além das estatísticas – e não é de hoje. A pandemia escancarou nossas desigualdades, tão conhecidas, nem tão combatidas. Os Cristos que estão além das sacristias, sem rostos, sem esperança.
Dizia o Dom, em trecho de sua fala, num 12 de abril como hoje: “De nada adiantará venerarmos belas imagens de Cristo, digo mais, nem bastará que paremos diante do pobre e nele reconheçamos a face desfigurada do Salvador, se não identificarmos o Cristo na criatura humana a ser arrancada do subdesenvolvimento. Por estranho que para alguns pareça, afirmo que no Nordeste, Cristo se chama Zé, Antônio, Severino… ‘Ecce Homo’: eis o Cristo, eis o Homem. Ele é o homem que precisa de justiça, que tem direito a justiça, que merece justiça. Para conseguirmos que os oprimidos não se entreguem a violências estéreis e destruidoras, é preciso superar a aparência de concórdia que consiste na impossibilidade de diálogo”
Como se fosse profeta, o Dom anunciou, questionou, consolou. Em uma de suas frases até hoje relembradas dizia que “Deus nos ensinou a não aceitar facilidades, mas a encontrar vida na dureza da Cruz”. Para os cristãos, em cada Semana Santa, a Cruz se esvazia. Na Páscoa, Cristo ressuscita.
Porém, cinquenta e seis anos depois do 12 de abril de 1964, muitos Severinos, Antônios, os Cristos de Dom Helder, ainda permanecem crucificados, injustiçados, sem direitos, invisíveis. Nesta Páscoa em que o medo e a morte nos rondam, será a pandemia o que vai finalmente eliminar a nossa indiferença? A nossa falta de ação? Ou vamos apenas continuar horrorizados?
Desculpem se essas palavras fogem um pouco do padrão das mensagens de Páscoa tradicionais. Dom Helder tinha razão quando dizia que “Quanto mais negra a noite mais carrega em si a madrugada”.
Se um dos sentidos da Páscoa é o da passagem, a deste ano se faz ainda mais urgente.
Esse mundo novo há de ser melhor.
Daniella Brito é jornalista, mestre em Sociologia e professora do curso de jornalismo da Uninabuco.
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