Temas instigantes e conectados com os pontos mais quentes do noticiário político, econômico, social e jurídico do Brasil atual. Esta tem sido a tônica da parceria de sucesso do Blog Edmar Lyra com os nossos articulistas da área de Direito – os advogados Yuri Herculano e Antonio Ribeiro Junior. Semanalmente, temos oferecido aos nossos leitores textos marcados por análises ao mesmo tempo claras (como exige a comunicação coloquial dos veículos jornalísticos) e consistentes (como diferencial para o melhor entendimento de temas que exigem explicação mais profunda). O resultado desta equação tem sido muito interessante, com manifestações expressas de aprovação por parte de nossos leitores.
Por isso, seguimos firmes e atentos às palavras destes nossos parceiros mais que qualificados nos temas que abordam, sempre com maestria. Nesta quarta-feira (04.09), por exemplo, o advogado Yuri Herculano coloca em pauta um assunto que há um bom tempo ocupa as manchetes de todos os veículos de comunicação do País: o crime de “Lavagem de Dinheiro”. O articulista, como todo bom analista, aborda o assunto por uma ótica bem particular e deixa uma interrogação no ar: será que a lei penal tornou-se excessiva com relação a este tipo de crime?
Aproveite bem a leitura e tire as suas próprias conclusões!
A OMISSÃO DOS GESTORES, EMPRESÁRIOS E AGENTES FINANCEIROS E O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO.
A complexidade das atividades financeiras na atualidade, introduzida em grande parte pela informatização do sistema bancário (com a qual vultosas quantias podem ser movimentadas em segundos), traz a reboque a preocupação das autoridades em conseguir controlar transações ilícitas. Este cenário – típico do Século XXI – chega até mesmo a estimular atos ilegais no sentido de transformar valores obtidos através da práticas criminosas em capital com aparência lícita (a “Lavagem de Dinheiro”); o que, ao final, pode levar a interpretações equivocadas da lei penal.
Diante do contexto, a legislação brasileira de combate à “Lavagem de Dinheiro” foi substancialmente modificada pela Lei 12.683/2012, inclusive, com relação à própria caracterização deste tipo de crime. Com a nova estrutura concebida pelo art. 1º, §2º, I, da lei, parte da Doutrina (que são as ideias e concepções dos estudiosos do Direito) e da Jurisprudência (conjunto de decisões de Tribunais que levam a interpretações e aplicações das leis) passaram a admitir, para a caracterização do crime, o chamado dolo indireto ou eventual; o que, segundo os conceitos jurídicos ocorre quando alguém “assume o risco” de uma ação, ainda que aparentemente ilícita, ou que possa vir a causar danos a outras pessoas.
A Lei 9613/1998 em seu art. 1º, §2º, I, exigia, do terceiro que utilizasse na atividade financeira ou econômica, bens, direitos ou valores, o “conhecimento inequívoco da origem ilícita dos recursos”. Tal redação deixava transparecer a opção legislativa de excluir a possibilidade de punição pelo dolo indireto, sendo possível, tão somente, por sua modalidade direta. Todavia, com a nova redação – que exclui a expressão “sabe serem provenientes” – há indicativo de nova interpretação, na qual se torna possível o reconhecimento do delito quando o terceiro simplesmente “assume o risco” da ação ilícita; ou seja, através do dolo indireto ou eventual.
Com esta alteração legal, que passou a caracterizar a possibilidade do delito ou crime também se configurar apenas com o dolo eventual (repita-se: quando o sujeito “assume o risco”) – bem como na exigência do dever de garantia por parte dos sujeitos-obrigados – consideramos que esse enrijecimento da lei faz surgir uma exigência excessiva – de elevado risco – para as atividades econômicas e financeiras, além de expandir os limites da aplicação do Direito Penal de maneira exagerada.
Importante destacar que, em regra, o Direito Penal somente admite a punição por fatos que guardem relação com o animus, que é a vontade – ou intenção consciente – da pessoa de cometer o crime. Proceder de modo diferente seria possibilitar a imputação objetiva, responsabilizando o agente com a aferição, tão somente, da ação (ou omissão) e do resultado, eliminando, portanto, o elemento subjetivo do crime, a intenção pessoal e deliberada de praticar algum ilícito.
Lembramos que o Supremo Tribunal Federal – STF foi além deste ponto quando julgou a Ação Penal 470 (conhecida popularmente como “Mensalão”), ao condenar acusados de “Lavagem de Dinheiro” com base na teoria norte-americana da Willful Blindeness, ou simplesmente, Teoria da Cegueira Deliberada. Segundo esta teoria, comete o delito aquele que, acreditando estar envolvido em alguma prática criminosa, procura, intencionalmente, não tomar conhecimento de pontos relevantes da lei ou de alguma questão que implique em violação da lei penal.
Em suma: essa Doutrina propõe uma espécie de “nivelamento”, com a atribuição dos mesmos efeitos da responsabilidade subjetiva, dos casos em que há o efetivo conhecimento dos elementos constitutivos do crime e aqueles em que há uma “ignorância intencional” do ato ilícito. Extrai-se tal conclusão da culpabilidade, que não pode ser em menor grau quando referente àquele que, podendo e devendo conhecer a exigência da lei, opta pela mera ignorância do ato ilícito.
A decisão do STF (utilizando a “Teoria da Cegueira Deliberada”) criou um sério precedente para que empresários, gestores e agentes financeiros sejam considerados autores ou partícipes do delito de “Lavagem de Dinheiro”, pela simples razão de haverem recebido valores cuja origem ilícita deveriam conhecer.
O atual cenário de excesso nos limites e enrijecimento do Direito Penal brasileiro – sobretudo no que se refere a delitos de ordem econômica – tem levado a interpretações equivocadas da norma penal. Com isso, vemos surgir o fenômeno da “sobrecriminalização”, em que o julgador visa ao alargamento da norma para justificar a condenação dos acusados de praticarem o crime de “Lavagem de Dinheiro”. Diante de tal cenário, merecem atenção especial os agentes financeiros e outros sujeitos-obrigados, uma vez que suas condutas neutras, ou seja, o agir lícito, são utilizadas como meio para aqueles que desejam ocultar, dissimular e reintegrar na economia, capital proveniente de um crime anterior.
Antonio diz
Parabéns Dr. Yuri Herculano.
Artigo esclarecedor.