Atualidade dos temas, aprofundamento dos conteúdos e abordagens inovadoras. Algumas marcas expressas no projeto de parceria do Blog Edmar Lyra com nossos articulistas da área jurídica – os advogados Antonio Ribeiro Junior e Yuri Herculano – estão muito presentes no artigo que publicamos nesta quinta-feira (07.11.2019).
Um fenômeno novo no cenário eleitoral brasileiro, a questão dos “Mandatos Coletivos” já ocupa bastante espaço no noticiário político.
E a tendência é que o tema esteja cada vez mais presente, porque a tendência é de ampliação do número de candidaturas coletivas nas eleições municipais de 2020. O problema é que, como toda inovação, ainda restam dúvidas – em especial, de conteúdo jurídico – que precisam ser elucidadas, para que fiquem mais claras para candidatos e eleitores.
“Mandatos Coletivos”: tema do artigo de hoje do jurista Antonio Ribeiro Junior. Um texto interessante. Uma leitura esclarecedora.
MANDATO COLETIVO: AS INCERTEZAS DE UM MODELO DE CANDIDATURA AINDA MARCADO PELA INSEGURANÇA JURÍDICA.
Nas últimas eleições (2018), o fenômeno iniciado no Brasil em 1994 – e mais presente nas eleições de 2014 – tomou corpo e diversos Estados tiveram a presença e o pedido de registro de candidaturas coletivas (“Mandatos Coletivos”). Ou seja: a união de duas ou mais pessoas em torno de uma candidatura única para eleger uma plataforma ideológica e de propostas.
A união de pessoas com a finalidade de assegurar representação em cargos eletivos para a defesa de ideais comuns não é uma inovação exclusiva do processo eleitoral brasileiro. Trata-se de uma tendência mundial. No Brasil, porém, há uma interpretação e atuação diferente da função dos “Mandatos Coletivos”.
Em diversos países, a reunião de pessoas geralmente acarreta a criação de partidos políticos. É a forma de consolidar a proposta de atuação, a partir de uma democracia direta, com a implementação de mecanismos (tecnológicos) para garantir a participação da população nas decisões do partido e, consequentemente, do representante eleito e com assento no parlamento (ex.: Partido Demoex, na Suécia; Partido Flux; na Austrália; e o Movimento Cinco Estrelas, na Itália). No Brasil, entretanto, o “Mandato Coletivo” assume caminho oposto: ele nasce dentro de um partido e assume uma ‘autonomia’ fora deste, fortalecendo a ideia de que o partido é somente um instrumento necessário para garantir a disputa eleitoral.
A proposta de “Mandato Coletivo”, como desenvolvida atualmente no país, ainda que inconscientemente, surge como uma vertente para o enfraquecimento dos partidos políticos. E, por corolário, reforça a tese daqueles que defendem as famigeradas candidaturas avulsas. Isso porque, quem precisa de partido, quando se pode unir várias pessoas sem trazer para as candidaturas, em tese, os problemas e mazelas dos partidos políticos!?
Entretanto, esse não é o único problema a ser enfrentado pelas candidaturas coletivas. Há, também, a relação desse grupo de pessoas com as Instituições. No Brasil, apenas uma única pessoa pode ser denominada como deputado/vereador/prefeito/senador/presidente, e somente essa pessoa tem os benefícios, reponsabilidades e obrigações inerentes ao cargo, não sendo possível aos demais integrantes da coletividade participar de votações, comissões, usar tempo de fala no plenário, representar em solenidades, receber benefícios e outros.
Por fim, no entanto, não menos relevante, diante da possibilidade de democratização da modelo de candidatura nas eleições municipais do próximo ano, ante as experiências vencedoras, a Justiça Eleitoral deverá se pronunciar sobre aspectos importantes que norteiam o “Mandato Coletivo”.
O primeiro ponto se refere à aparente inconstitucionalidade do modelo de candidatura coletiva. Lembre-se: o sistema eleitoral brasileiro estabelece que o mandato é personalíssimo e intransferível. Contudo, não é incomum se ouvir falar em co-deputado, na atuação e participação de várias pessoas para um único mandato, inclusive, a ilegalidade se inicia na campanha eleitoral, quando várias pessoas pertencentes ao coletivo pedem votos, se apresentam como candidatos ao mesmo cargo, com o mesmo número, o que por óbvio é ilegal (Resolução TSE n.º 23.548/2017).
Isso resulta no desequilíbrio da disputa eleitoral, já que um único candidato não conseguirá estar em quatro lugares distintos no mesmo dia e na mesma hora, apresentando suas propostas, pedindo votos e se apresentando como candidato. De outro lado, nas candidaturas coletivas isso vem acontecendo.
Além disso, a inconstitucionalidade também pode se verificar no aspecto individual dos direitos políticos; notadamente, no direito de ser votado. E tanto é verdade que a legislação eleitoral foi editada tendo como base a candidatura de uma única pessoa para cada cargo.
Ademais, outros temas poderão ser objeto de representações e ações por abuso; notadamente, no que se refere à pré-campanha, arrecadação de recursos, gastos, prestação de contas e a propaganda eleitoral. Qual o espaço que o “Mandato Coletivo” assume na propaganda? Os demais membros não registrados serão tratados como apoiadores e como tal só poderão aparecer em 25% do tempo de inserções e programas de rádio e televisão?
O tema é muito polêmico e não é seguro dizer que a Justiça Eleitoral já tem entendimento sobre a legalidade das candidaturas coletivas, sobretudo, porque a tendência é de que várias candidaturas nesse modelo sejam adotadas nas próximas eleições, inclusive, para cargos majoritários. E, por via de consequência, serão apresentadas impugnações e ações, com o debate mais aprofundado, o que até o momento não ocorreu, sendo incerta a manutenção de tal modelo, o que leva os candidatos a considerarem com cautela a hipótese de se lançarem, por meio de coletivos.