Por Ricardo Siqueira*
Em 30 de janeiro de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional em relação à situação de pandemia ocasionada pelo alastramento do novo coronavírus. No início de março, o Brasil começou a detectar casos do COVID-19 o que levou governos estaduais e prefeituras a determinarem o isolamento social como medida para impedir a contaminação e a morte de milhares de brasileiros, principalmente aqueles que fazem parte de grupo de risco. No universo do sistema prisional brasileiro em que há um verdadeiro amontoamento social, o isolamento é impossível.
Em 2015 o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 347, assumiu que o sistema penitenciário brasileiro é um Estado de Coisas Inconstitucional decorrente da sistemática violação aos direitos fundamentais das pessoas presas através de atos comissivos e omissivos do poder público. De acordo com o último Relatório de Informações Penitenciárias lançado pelo DEPEN em 2019, o Brasil possui cerca de 773.151 pessoas encarceradas. A maior parte das prisões são referentes a crimes de furto (sem violência) e roubo, seguidos do crime de tráfico de drogas, também delito cometido sem violência.
De acordo com o Ministério da Justiça 62% das mortes nos presídios brasileiros são derivadas de doenças evitáveis e contagiosas, o que demonstra uma preocupante taxa de contaminação de doenças como tuberculose, sífilis e HIV. Enfermidades que, diga-se de passagem, são suficientes para situar o indivíduo portador como pessoa inserida no grupo de risco para o COVID-19. Foi nessa perspectiva que Marco Aurélio, Ministro do Supremo Tribunal Federal, entendeu por conclamar que os juízes de execução penal analisassem com urgência pedidos relativos à prisão domiciliar e liberdade provisória das pessoas presas. O plenário do STF, no entanto, não referendou a decisão e hoje, no Brasil, não há qualquer determinação do poder público sobre como lidar com a pandemia do coronavírus dentro dos presídios nacionais.
No último dia 9, o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) divulgou três casos de detentos infectados pelo coronavírus e 125 casos suspeitos. Em uma realidade de verdadeiro amontoamento social, o vírus vai se espalhar sem ser dado aos encarcerados o direito de se isolarem em suas residências, ainda que a maioria esteja presa por crimes não violentos. Trata-se, mais uma vez, do sistema punitivo demonstrando sua face racista e genocida. Não há ressocialização possível quando as prisões brasileiras funcionam como a política pública do esquecimento e da morte.
*Ricardo Siqueira é advogado criminalista



