
No município de Escada, distante 62 km da capital pernambucana, um processo judicial chama atenção pela sua singularidade e pelas repercussões que pode gerar na política local. Trata-se de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) que discute suposta fraude à política de cota de gênero envolvendo a candidatura de Tarlina Patrícia Carlos da Silva, eleita sob o nome de urna “Tarlina de Dr. Edmilson” (PSDB – 45000).
A ironia é evidente: caso a ação seja julgada procedente, o efeito prático será retirar de uma mulher legitimamente eleita o direito de ocupar sua cadeira na Câmara de Vereadores para entregá-la a um homem. Em outras palavras, uma ação concebida para fortalecer a participação feminina poderia, paradoxalmente, fragilizá-la.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao editar a Súmula nº 73, deixou claro que não há automatismo nesses julgamentos: “Quando os fatos e as circunstâncias do caso concreto assim permitirem concluir.” Ou seja, cada processo deve ser analisado individualmente, sem generalizações, evitando que contextos distintos sejam tratados como situações idênticas.
Especialistas como a advogada e professora Marilda Silveira já advertiram para o risco de tais ações se transformarem em instrumentos de exclusão. “A cassação das mulheres eleitas sem responsabilidade pela fraude é desproporcional e contraria o objetivo da política de cotas”, afirma.
Na defesa da vereadora, o advogado Delmiro Campos — que já exerceu o cargo de desembargador eleitoral no TRE-PE — sustenta que não se pode permitir que a moralidade eleitoral seja interpretada de modo a “retroceder na representatividade feminina”. Segundo ele, “ações dessa natureza devem combater fraudes reais, não podem servir como instrumentos para diminuir a presença de mulheres na política e potencializar a hegemonia masculina.”
O caso de Escada ilustra um dilema nacional: como assegurar a eficácia da política de cotas sem transformá-la em armadilha para mulheres eleitas legitimamente? A resposta exige julgamentos individualizados, sensibilidade institucional e a lembrança de que o objetivo maior da lei é ampliar a participação feminina — jamais reduzi-la.



