Por Pietro Duarte de Sousa e Renato Hayashi
O presente texto aborda a questão de gênero e o registro de candidatura nas eleições 2020. Não obstante, abordamos, ainda, a lacuna legislativa em relação às pessoas transgêneros na disputa eleitoral.
Desde os primórdios da história do voto no brasil, em 1532 , muita coisa foi alterada, em especial aqueles que podem votar e serem votados. Desde a época que se escolhia Conselhos Administrativos da Vila, passando pela Cortes Portuguesas, pela Independência e por diversas Constituições, sempre se manteve um padrão histórico de voto censitário e basicamente, os homens sempre dominaram o direito de votar e ser votado.
Mesmo com diversas revoluções sociais, com a previsão Constitucional de igualdade entre os gêneros previstos ao tempo da sua promulgação, o gênero masculino até hoje predomina seja nas candidaturas, seja na representatividade nos cargos políticos , como, por exemplo, na Câmara Federal que teve nas eleições de 2018 cerca de 31% de candidatas do gênero feminino, porém ocupam cerca de 15% do total das cadeiras.
Não duvidamos que o legislador a cada dia se preocupa mais com a inclusão das mulheres, tanto é verdade, que desde 2009 efetivou alteração na Lei Geral das Eleições , garantindo o mínimo de 30% para um dos sexos:
Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:
§ 3o Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. (destaque nosso)
Em um primeiro momento, acreditava-se que tal medida seria capaz de estimular as candidaturas femininas e ao longo do tempo, reduzir a diferença de representatividade nos cargos políticos, mas o que infelizmente, após 10 (dez) anos da alteração referida Lei, não podemos identificar a sua eficácia, já que o percentual feminino só chega a metade da proporção destinada as candidaturas ao sexo oposto, ora dominante.
Tal fato reflete claramente que as candidaturas femininas ainda não representam ou refletem a autoridade necessária para a êxito de suas eleições, seja por falta de empenho ou mesmo pelo não interesse das mulheres pelo tema, ainda que historicamente existir significativa mudança quanto as igualdades propostas para ambos os sexos.
Em sentido inverso, as Eleições de 2018 foram emblemáticas para o tema, já que se noticiou que existem investigações sobre diversas candidaturas “laranjas ” de mulheres que supostamente foram lançadas como candidatas exclusivamente para cumprimento da cota legal ou ser meio de capitação de fundo partidário com destinação exclusiva, já que o Supremo Tribunal Federal definiu que a intepretação correta seria que a distribuição de recursos do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais direcionadas às candidaturas de mulheres deve ser feita na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos, respeitado o patamar mínimo de 30% de candidatas mulheres previsto no artigo 10 , parágrafo 3º, da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições).
Estima-se que 35% das candidaturas femininas – na Câmara Federal – têm indícios de que foram utilizadas para cumprir a Lei que delimita cotas. E tais situações geram impactos imensuráveis aos Partidos ou Coligações, já que o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que:
quando houver comprovação de fraude na composição da chapa de uma coligação para que a cota de 30% de candidaturas de mulheres seja alcançada, o que ficou conhecido como candidaturas laranjas, todos os eleitos por aquela coligação, ou seja, a chapa inteira eleita pelos partidos, será cassada .
Ou seja, os partidos vão ter que cada vez mais estarem atentos com a não incidência desta manobra, sob pena de prejuízo de toda sua comunidade de candidatos eleitos.
Todavia, outros são os fatores que devem levar as Partidos a mudança de cultura, pois além da exigência legal do percentual de gênero, hoje incide a extinção das coligações na eleições proporcionais, o que ensejou um grande peso eleitoral em cada candidato em prol do partido – antes da coligação – já que quantos mais candidatos efetivamente competitivos forem lançados pelo partido, mais chances o partido terá de ter sua representatividade, que antes era medida por uma união de forças partidárias, que ora comungavam dos mesmo interesses, ora mostravam que a coligação era exclusivamente com o fito eleitoral.
Ultrapassado tudo isso, trazemos a seguinte problematização: como será a posição das mulheres na formação da chapa eleitoral em 2020? Nosso entendimento é de que a mulher deve conseguir um espaço efetivo na disputa eleitoral, uma vez que os partidos não possuem mais a “possibilidade” de lançar candidatas laranjas, já que cada candidato lançado possui imenso peso eleitoral.
Como um todo, só vemos a preocupação legislativa com os gêneros mais tradicionais masculino e feminino, inobstante ser fato público e notório que na sociedade atual, milhares se declaram como transgênero, não binários, agênero.
Apesar de o número de candidatos nas eleições 2018 ter crescido 10 vezes para o Congresso Nacional e o Tribunal Superior Eleitoral ter autorizado o registro do nome social no título de eleitor para cidadãos transexuais e transgêneros e consequentemente no registro de candidatura , a Legislação Eleitoral ainda não foi modificada no sentido de abarcar especificamente essa nova forma de se representar perante a sociedade. Entretanto, desde 2017, o Tribunal Superior Eleitoral já se manifestou pela interpretação da expressão sexo com gênero, conforme podemos observar na resposta à consulta nº 0604054-58.2017.6.00.000 – Distrito Federal:
A expressão “cada sexo” mencionada no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97 refere-se ao gênero, e não ao sexo biológico, de forma que tanto os homens como as mulheres transexuais e travestis podem ser contabilizados nas respectivas cotas de candidaturas masculina ou feminina. Para tanto, devem figurar como tal nos requerimentos de alistamento eleitoral, nos termos estabelecidos pelo art. 91, caput, da Lei das Eleições, haja vista que a verificação do gênero para o efeito de registro de candidatura deverá atender aos requisitos previstos na Res.-TSE nº 21.538/2003 e demais normas de regência
Neste sentido, percebemos que já existe um amplo caminho para que os Partidos Políticos promovam espaços e congregações mais amplos. Não há dúvidas que o caminho para se evitar os prejuízos decorrente de candidaturas laranjas ou na própria dificuldade de formação de chapa, diante da exigência de mínimo legal, podem e devem ser superadas não só pelas mulheres, mas também pelos transgêneros.
Tais referências não visam de qualquer forma expressar opinião dos Autores sobre modalidades de gêneros, preceitos religiosos ou sexualidade de indivíduos, mas tão somente fazer um paradoxo entre a realidade dos fatos sociais com a interpretação das normas jurídicas eleitorais.
Ocorre que pelo fato de a legislação eleitoral não ser específica quanto às demais possibilidades de gênero, as pessoas não podem exercer de forma plena sua cidadania. Infelizmente a consulta feita ao TSE não é uma lei em sentido estrito, ou seja, pessoas transgêneros não encontraram facilidade ao realizar o registro de candidatura caso sua documentação não corresponda a sua identidade de gênero. Já as pessoas que não se identificam com nenhum dos gêneros, não possuem, ainda, amparo legal para o lançamento da candidatura. Na prática, as pessoas acabam aceitando um dos gêneros convencionais para concorrerem nas eleições.
Por fim, observamos uma nova solução inclusiva para a “dificuldade” alegada pelos partidos para cumprir a cota de gênero, pessoas transgêneros poderão concorrer na cota que possuem identidade e, ainda, de forma competitiva por causa do fim das coligações para eleições proporcionais. Desse modo, deveremos ver um cenário diferente nas eleições 2020, com maior participação efetiva das mulheres e dos transgêneros.
Referência
BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Lei Nº 9.504, de 30 de Setembro de 1997.. Brasil, DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm>. Acesso em: 22 out. 2019.
COMUNICAÇÃO, Assessoria de. TSE abre prazo para eleitores transexuais e travestis registrarem nome social. Tribunal Superior Eleitoral. Brasília, p. 1-3. 02 abr. 2018. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Abril/tse-abre-prazo-para-eleitores-transexuais-e-travestis-registrarem-nome-social>. Acesso em: 21 out. 2019.
FOCO, Congresso em. TSE decide que candidatura laranja de mulheres gera cassação integral da chapa. Uol. São Paulo, p. 1-2. 18 set. 2019. Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.com.br/judiciario/tse-decide-que-candidatura-laranja-de-mulheres-gera-cassacao-integral-da-chapa/>. Acesso em: 21 out. 2019.
GUERRA, Rayanderson. Eleições 2018: Número de candidatos trans e travestis cresce 10 vezes e mira Congresso. O Globo. SÃo Paulo, p. 1-2. 30 ago. 2018. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/eleicoes-2018-numero-de-candidatos-trans-travestis-cresce-10-vezes-mira-congresso-23023231>. Acesso em: 22 out. 2019.
MIRANDA, Tiago. Percentual de mulheres que concorrem à Câmara dos Deputados não se altera em quatro anos. Câmara dos Deputados. Brasília, p. 3-4. 05 out. 2018. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/543774-percentual-de-mulheres-que-concorrem-a-camara-dos-deputados-nao-se-altera-em-quatro-anos/>. Acesso em: 22 out. 2019.
OLIVIERI, Antonio Carlos. Eleições no Brasil – A história do voto no Brasil. Uol. São Paulo, p. 3-5. out. 2018. Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/cidadania/eleicoes-no-brasil-a-historia-do-voto-no-brasil.htm>. Acesso em: 20 out. 2019.
PASSARINHO, Nathalia. Candidatas laranjas: pesquisa inédita mostra quais partidos usaram mais mulheres para burlar cotas em 2018. Bbc. Londres, p. 1-3. 08 mar. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47446723>. Acesso em: 21 out. 2019.
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