
A recente aplicação da Lei Magnitsky Global pelo governo dos Estados Unidos contra o ministro Alexandre de Moraes tem gerado reações inflamadas de parte da classe política e jurídica brasileira. Muitos gritam que a medida fere a soberania nacional. Mas é justamente aí que reside o equívoco, ou pior, a má-fé de quem tenta distorcer os conceitos básicos do direito internacional para defender o indefensável.
A soberania é o poder supremo que um Estado exerce sobre seu território, seu povo e sua ordem jurídica. É um princípio fundamental das relações internacionais, mas não é absoluto. Assim como o Brasil tem o direito de definir quem entra, permanece ou investe dentro de suas fronteiras, os Estados Unidos também têm o direito de negar entrada a estrangeiros, de congelar ativos sob sua jurisdição e de proteger os direitos humanos e as liberdades civis em seu próprio território. É disso que trata a Lei Magnitsky.
Trata-se de um mecanismo legítimo e multilateralmente reconhecido de sanção contra indivíduos acusados de corrupção ou graves violações de direitos humanos. Essa lei já foi usada contra agentes russos, chineses, nicaraguenses e venezuelanos, entre outros. O Brasil, aliás, é signatário de tratados internacionais que reconhecem a legitimidade de sanções unilaterais quando envolvem violações graves.
Dizer que os Estados Unidos violaram a soberania brasileira ao sancionar Alexandre de Moraes é um absurdo lógico e jurídico. A medida não interfere no território brasileiro nem tenta impor decisões sobre o STF ou sobre a Constituição brasileira. O que ela faz é proteger o próprio território e seus cidadãos contra ações de um agente público estrangeiro que, segundo apurado por autoridades americanas, determinou censura, cerceou a liberdade de imprensa e perseguiu judicialmente empresas e cidadãos norte-americanos – tudo isso sem o devido processo legal, inclusive em plataformas sediadas fora do Brasil.
Neste ponto, é essencial inverter a pergunta: quem violou a soberania de quem?
Alexandre de Moraes, na prática, estendeu o alcance de suas decisões para além das fronteiras brasileiras. Mandou bloquear perfis de cidadãos americanos, ordenou a retirada de conteúdo publicado em servidores norte-americanos e impôs multas a empresas sediadas nos Estados Unidos por se recusarem a aplicar censura extraterritorial. Tudo isso sem qualquer cooperação legal internacional, sem tratado, sem jurisdição legítima. A isso sim podemos chamar de afronta à soberania – mas à dos Estados Unidos.
Quem defende que Moraes foi vítima de uma “ingerência externa” ignora, propositalmente ou por ignorância, o funcionamento do sistema internacional. Nenhum país é obrigado a manter relações financeiras, comerciais ou diplomáticas com indivíduos que considera abusivos ou criminosos, mesmo que estes ocupem cargos públicos. Isso é soberania. E os Estados Unidos exerceram a sua.
O debate sobre os limites da atuação do STF e, em especial, do ministro Alexandre de Moraes, é legítimo e necessário. Mas ele deve ser feito com seriedade, sem manipular conceitos para blindar abusos. Soberania não é escudo para impunidade. Tampouco é pretexto para perseguir empresas, jornalistas ou cidadãos de outro país.
Quem insiste em dizer que os Estados Unidos violaram a soberania do Brasil está, na verdade, defendendo um modelo onde agentes públicos podem fazer o que quiserem, onde quiserem, sem prestar contas a ninguém. Isso não é soberania. Isso é tirania.
Fabiano Augusto Paes Barreto Brennand
Mestre em Direito pela Universidade de Montreal
Especialista em Compliance e Crimes Financeiros



