
O Supremo Tribunal Federal abandonou de vez a Constituição e resolveu criar seu próprio código de processo penal. Um código não escrito, personalíssimo, moldado para atender a conveniências políticas imediatas.
Vejamos: julgamento em Turma, e não em Plenário, como foi no caso do ex-presidente Lula. Réus sem foro privilegiado sendo processados diretamente pelo STF, sem qualquer respeito ao duplo grau de jurisdição. Ministros que deveriam se declarar suspeitos — pois figuram como supostas vítimas — assumindo a cadeira de julgadores para condenar seu próprio algoz. A imparcialidade, base do processo penal, virou mero detalhe descartável.
Tem mais: ministro acompanhando negociação de delação premiada, função alheia ao papel jurisdicional. Julgamentos relâmpago, com prazos de defesa esmagados, em processos que já nascem com sentença pronta. Indeferimento de testemunhas sem qualquer justificativa plausível, enquanto outras, escolhidas a dedo, são aceitas sem resistência. A paródia da ampla defesa virou regra.
O conceito de “início da execução” foi reescrito. Atos preparatórios, que a doutrina sempre distinguiu da tentativa, agora viram crime consumado por mera interpretação política. O arrependimento eficaz, pedra angular da teoria do delito, é ignorado. E a cada decisão, o STF finca o pé numa nova arbitrariedade, criando precedentes que transformam a lei em cera moldada ao sabor do momento.
E o mais grave: quando juízes de primeiro grau começarem a aplicar essa “jurisprudência” sem freios, quem estará salvo? Qual cidadão poderá se defender se uma conversa, uma preparação, um rascunho, se tornam crimes com pena de prisão?
Enquanto tudo isso acontece, a OAB permanece inerte. A instituição que deveria ser guardiã da advocacia e das garantias constitucionais assiste a esse espetáculo em silêncio covarde, tornando-se cúmplice por omissão.
O STF não aplica o Código Penal. Aplica o Código do Arbítrio. Um direito penal de emergência, de ocasião, que rasga a doutrina, ignora a história e serve apenas ao poder. Hoje é contra uns; amanhã, contra todos.
Leonardo Cruz, advogado, Pós-graduado em direito penal e processo penal (ESMAPE), Gestão Pública (UPE), Compliance (Coimbra) e Governança e Conformidade (UFPE)



